Daniel Walker: Guardião da memória do Padre Cícero e de Juazeiro
terça-feira, 28 de maio de 2013
Daniel Walker: Guardião da memória do Padre Cícero e de
Juazeiro
Professor, escritor e jornalista, Daniel Walker há mais de 40 anos se dedica a pesquisar e a difundir a história do Padre Cícero, de Juazeiro do Norte e de seus personagens. Trabalho incansável, feito de forma independente e diletante, “mas com muito prazer”. Autor de cerca de 50 obras, muitas delas sobre a vida e obra do patriarca da Meca do Cariri, Daniel Walker é a principal referência na cidade para pesquisadores, jornalistas e interessados, e exemplo da luta pela preservação da memória do Cariri
Um dos episódios mais marcantes da vida de Daniel Walker Almeida Marques – a cirurgia para extração de um rim que doou a um irmão, em São Paulo – foi também decisivo para o rumo da sua vida dali em diante. O ano era 1969, e ainda hospitalizado em recuperação do procedimento cirúrgico, ele recebeu mais de 10 edições de jornais do Sudeste. Em comum a todas as capas, a inauguração da estátua em homenagem ao Padre Cícero, na colina do Horto. “O assunto foi destaque em jornais como O Estado de São Paulo, Última Hora, Folha de São Paulo, Jornal O Globo e Jornal do Brasil. As reportagens, bem positivas, enfocavam sempre o padre como um santo nordestino, e diziam que o local iria se transformar numa grande atração turística. Retornei a Juazeiro bastante empolgado, e passei a pesquisar tudo sobre o tema”, lembra.
Mas
Juazeiro e sua vocação já chamavam a atenção de Daniel Walker desde a infância.
Nascido próximo à Capela do Perpétuo Socorro, que abriga os restos mortais do
Padre Cícero, ele vivenciou a religiosidade de maneira muito forte. “Quando
criança, eu via Juazeiro como uma cidade sagrada. Como morávamos no bairro do
Socorro, minha ambiência sempre foi em meio aos romeiros, que durante as
romarias carregavam aquelas imagens e objetos sagrados”, afirma. Mas sua
admiração não se resumia só ao visual. Assim como outros meninos da sua idade,
aos sete anos pendurava uma caixa de sapatos com um cordão no pescoço e vendia
velas aos que peregrinavam à cidade em busca de conforto espiritual.
Nascido a 6 de setembro de 1947, Daniel Walker
é o terceiro da prole de cinco filhos do ourives José Marques da Silva (Zeca
Marques) com a professora Maria Almeida Marques, ambos de Juazeiro do Norte. A
profissão do pai de Daniel também tinha ligação com a religiosidade. Segundo
ele, a cidade, que chegou a ter mais de 500 ourivesarias foi, durante o apogeu
nos anos 1960, o maior centro nordestino no ramo, e se notabilizou por fabricar
também em ouro artigos como escapulários, medalhas e crucifixos, além dos anéis
de formatura, alianças, pulseiras, brincos e cordões. “O ouro enricou muita
gente em Juazeiro. Só não ao meu pai, que não foi ousado. A produção era
vendida da Bahia ao Pará”, acrescenta.
A infância de Daniel Walker foi marcada pelos
banhos no rio Salgadinho, os jogos de peteca e futebol na praça onde hoje está
o Memorial do Padre Cícero, no bairro do Socorro. No auge dos filmes de
faroeste que passavam nos cines Eldorado, Avenida e Roulien, a moda era brincar
de caubói. As primeiras letras Daniel aprendeu com dona Toinha Gonçalves, uma
rígida professora a quem recorriam até as famílias mais abastadas, quando seus
filhos se viam em apuros com o boletim. “Ela era do tempo da palmatória. A
gente tinha costume de levar bolo, quando cometia indisciplina ou falhava na
sabatina, em que um aluno era designado para fazer perguntas a outro. Não tinha
jeito”. Porém, a maior recordação do tempo em que tinha aulas na escola que
funcionava na própria residência da professora foi a sólida e abrangente
formação humanística, que incluía, entre outras, noções higiene, cidadania,
religião e comportamento.
Da escola
de Toinha Gonçalves, Daniel ingressou no Grupo Rural Modelo (Escola de
Aplicação da Escola Normal Rural) e no Grupo Escolar Paulo Sarasate, todos de
Juazeiro do Norte. Em 1960, início do ginásio, foi para o Colégio Agrícola de
Lavras da Mangabeira em regime de internato, onde fez o 1º Ano do Curso de
Iniciação Agrícola. A experiência foi breve. “Foi de muito choro com saudade de
casa. Fiz só o primeiro ano”.
De volta
a Juazeiro, Daniel Walker passou o que classifica como os melhores momentos da
vida estudantil no Colégio Salesiano São João Bosco, entre 1961 e 1964. Aluno
sempre destacado, foi lá que ele despertou para a que considera sua principal
vocação: a de comunicador. “Iniciei minhas atividades de radialista e
jornalista, fazendo locução, redigindo e apresentando noticiário no Serviço de
Auto-Divulgação Salesiana [SADS], uma amplificadora que funcionava no colégio
Salesiano como sendo uma emissora de rádio”, explica. A amplificadora foi
fundada em 1964 com os amigos Vital Tavares, Wellington Amorim, José Marques
Filho, Jussier Cunha e Renato Casimiro, ajudando a revelar também outros nomes
para o rádio de Juazeiro. Nessa época, ele conseguiu as primeiras façanhas na
atividade: emplacar uma matéria no Jornal Juvenil, e uma nota na seção “O
Impossível Acontece” da Revista O Cruzeiro. “Narrava o fato real de homem que
tentou o suicídio pulando da torre da Capela do Socorro, caindo em cima de
outro homem que passava na frente da capela, matando-o. Os dois morreram na
hora”, conta. Também no serviço militar para o qual entrou em 1966 como
atirador do Tiro de Guerra 210, Daniel Walker exerceu o radiojornalismo.
O gosto
de Daniel pelo rádio foi crescente. Àquela altura, já era ouvinte da BBC de
Londres e das emissoras dos Diários Associados, além da Ceará Rádio Clube, de
Fortaleza, onde passou a admirar nomes como Narcélio Limaverde, João Ramos e
Wilson Machado. Sua profissionalização na atividade veio a partir de 1964,
quando passou a atuar como locutor e redator no Serviço de Alto-falantes Cicerópolis
(Saci).
Pouco
tempo depois, Daniel foi convidado por Coelho Alves para trabalhar na Rádio
Iracema, onde permaneceu de 1965 a 1971. “Minha maior glória foi ter redigido e
apresentado, com Coelho Alves, o Grande Jornal Sonoro Iracema”. O noticiário ia
ao ar à noite, às 22 horas, e Daniel redigia notícias sobre os fatos ocorridos
na cidade. Uma das curiosidades daquele tempo é que, como não havia gravador,
para poder entrevistar e redigir, ele teve de dominar a técnica da
taquigrafia.
Nesse
ínterim, em 1965 e 1966 Daniel Walker foi aluno do Colégio Diocesano do Crato,
onde cursou o 1º e 2º ano científicos. Como em Juazeiro não havia universidade,
tentou o vestibular depois de concluir o segundo grau no Colégio Castelo
Branco, de Fortaleza, onde fez ainda o cursinho pré-vestibular. Reprovado no
vestibular para Agronomia da Universidade Federal do Ceará, Daniel retornou a
Juazeiro e foi aprovado no vestibular de Fisioterapia na Faculdade de Medicina
em Recife, curso que frequentou apenas o primeiro semestre.
Paralelo
ao trabalho no rádio, atuou como correspondente do Jornal O Povo, integrou a
diretoria do Centro Estudantal Juazeirense (CEJ), foi redator-chefe do jornal
Tribuna de Juazeiro, fundado por Aldemir Sobreira, e colaborou nos jornais
Folha de Juazeiro, A Imprensa, Folha de Juazeiro, Jornal do Cariri, Tribuna do
Ceará, Tribuna do Cariri e Correios Estudantil, entre outros.
Depois de
voltar de São Paulo, Daniel começou a se dedicar também à pesquisa sobre a
história do Padre Cícero e de Juazeiro do Norte. “Me juntei a Renato, José
Carlos Pimentel, Padre Murilo e José Onofre, quando fizemos a primeira
exposição no edifício Dom Pires, em Juazeiro, de 250 fotografias históricas de
Juazeiro e do Pe. Cícero. Essas fotos hoje estão no Memorial”, recorda. A
partir daí, Daniel e Renato passaram a engordar o acervo de documentos. “Nos
empolgamos e começamos a trabalhar o garimpo das fontes, e assim conseguimos
ajuda de muitos colaboradores. Ajudamos muitos pesquisadores”, rememora.
Em 1971,
Daniel Walker foi aprovado em primeiro lugar no vestibular para o Curso de
História Natural da Faculdade de Filosofia do Crato, graduação que concluiu a
Licenciatura em 1974. Pós-graduou-se Especialista em Ciências (UFC), em
Sexologia (Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro) e em História do Brasil
(Universidade Cândido Mendes). No mesmo ano, iniciou a carreira de professor de
Ciências no Curso de Madureza do Colégio Estadual de Juazeiro do Norte,
posteriormente batizado de Centro Educacional Professor Moreira de Sousa. No
colégio, ensinou turmas do Ensino Fundamental, do Curso Científico, do Curso
Normal Pedagógico e do Quarto Pedagógico, até se afastar para aposentadoria em
2004. Daniel lecionou ainda na Escola Técnica de Comércio, no Colégio Menezes
Pimentel, na Escola de 2º Grau Governador Adauto Bezerra e no Cursinho
Pré-vestibular Objetivo. Em 1982 ingressou no quadro de professores da
Faculdade de Filosofia do Crato, hoje Universidade Regional do Cariri (Urca),
permanecendo no Curso de Biologia, até 2001, quando se aposentou como professor
adjunto, no topo da carreira, inclusive com o título de Professor Emérito.
Ao lado
de Bendimar de Lima, José Boaventura, Renato Casimiro e Renato Dantas, Daniel
Walker fundou o Instituto José Marrocos de Pesquisas e Estudos Sócio-Culturais
(Ipesc), na mesma época da criação da Urca. No instituto, foi nomeado pelo
reitor José Teodoro Soares coordenador de pesquisa e editoração. De acordo com
Daniel, o instituto, criado para fomentar a pesquisa e a divulgação da história
e da cultura caririenses, logrou êxito em sua missão apenas durante o reitorado
de Teodoro à frente da Urca. “Conseguimos o entrosamento dos pesquisadores de
fora com Juazeiro, e instituto incentivou nomes importantes em suas pesquisas,
entre eles Gilmar de Carvalho, Régis Lopes, Osvaldo Barroso, Diatahy Bezerra de
Menezes, Olga Paiva, Martine Kunz, Luitgarde Oliveira e Marcelo Camurça”, cita.
Em 1984,
o sonho de ser proprietário de uma emissora de rádio veio com a criação da
Transcariri FM, ao lado de Coelho Alves, Cícero Antônio, Francisco Silva Lima e
Adauto Bezerra Junior. “A gente sempre ficou admirado de Cajazeiras (PB) ter
uma FM (Patamuté) e Juazeiro não. Decidimos concorremos em um edital e ganhamos
a concessão. “O negócio não dava lucro, mas não devíamos a ninguém”, afirma
ele, que era também responsável pelas finanças da emissora, a qual deixou para
se dedicar à universidade.
A
experiência no Ipesc deu a Daniel Walker a possibilidade de ampliar seu
trabalho de pesquisa e produção intelectual iniciada no final dos anos 1960.
“Disso resultou a publicação de vários livros. Participei de muitos simpósios,
congressos e encontros, alguns dos quais como palestrante ou membro da comissão
organizadora. Fiz dezenas de cursos de extensão cultural e ministrei vários cursos
abrangendo as áreas da Biologia, História Regional e Turismo”, orgulha-se.
Entre suas principais obras, estão Padre Cícero: A sabedoria do conselheiro do
sertão, em que foi pioneiro na catalogação dos conselhos do Padre Cícero, até
então dispersos em publicações, História da Independência de Juazeiro do Norte,
O Pensamento vivo de Padre Cícero e Padre Cícero na Berlinda. Seu primeiro
livro, História da CCPM, foi lançado em 1966, e conta a história da Cooperativa
de Crédito dos Primos Marques, uma espécie de banco para emprestar dinheiro aos
primos da Família Marques. “Foi um grande sucesso. A Cooperativa depois se
expandiu e passou a oferecer empréstimos a pessoas do Bairro do Socorro, não
pertencentes à Família Marques”, explica.
Na era da
internet, Daniel foi o criador do primeiro jornal eletrônico de Juazeiro, o
Juazeiro Online, fundado em 2004. Depois de completar 250 edições, o jornal
virou o Portal de Juazeiro (http://www.portaldejuazeiro.com), até hoje um dos mais
importantes sites noticiosos da cidade. Além do magistério e do rádio, ele
ainda trabalhou de 1971 a 1974 como relações públicas da Companhia de
Eletricidade do Cariri (Celca, depois Coelce); como gerente da Credimus S.A.
Crédito Imobiliário, além de acumular experiências desagradáveis no serviço
público municipal em 2000 e 2009. “Foi a pior experiência de minha vida”,
resume. Casado com a Professora Tereza Neuma de Macedo e Silva Marques, Daniel
é pai do professor universitário Michel, e do engenheiro de produção Daniel
Walker Junior.
A dedicação ao Padre Cícero por parte de
Daniel Walker vem da gratidão pelo que o sacerdote fez pela cidade. “Acredito
que foi ele quem colocou Juazeiro no mapa do Brasil. Se não fosse ele, seria um
reles povoado que talvez viesse a virar uma cidade, mas nunca igual a que é
hoje. O tenho na conta de uma figura carismática muito forte, por conta dos
romeiros. O Padre Cícero é o ímã que atrai gente que faz o desenvolvimento de
Juazeiro. Sou um admirador e estudioso de sua história”, pontua. Diariamente,
Daniel Walker se dedica ao trabalho de pesquisa e orientação a pesquisadores de
todo o Brasil, que vão pessoalmente à sua casa ou enviam e-mails, prontamente
respondidos. “É um trabalho não remunerado, por diletantismo, mas que faço com
muito prazer”.
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SOBRE
DANIEL WALKER
“Daniel
Walker é um homem exemplar. Discreto, aparentemente tímido, nada falastrão, se
desmancha em atenções e generosidade com quem pesquisa o universo do Juazeiro
do Norte. Minhas buscas, que começaram, mais sistematicamente, em 1986, devem
muito a ele. Solícito, prestativo, perdi a conta das vezes que me levou para
visitar um artista, um penitente, um brincante de folguedo, alguém que pudesse
ser interessante para a minha compreensão daquele mundo, tão fascinante quanto
desafiador. Relembro, com saudades, das tardes de sábado, quando ia me apanhar
no Hotel Viana para o café na casa do Monsenhor Murilo. Tantas conversas sobre
a cidade, seus anseios, suas frustrações e suas personagens... Daniel Walker é
um amigo querido, um pesquisador sério e um homem comprometido, de verdade, com
o Juazeiro do Norte. Tenho muito respeito e muito carinho por ele. Grande
Daniel!!!”,
Gilmar de
Carvalho, professor, pesquisador e escritor
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“Daniel
Walker é um amigo que cultivo há mais de 50 anos. Costumo me referir a ele, não
como um amigo, simplesmente, mas como um irmão muito estimado. São qualidades
de grande relevância na sua pessoa a solidariedade, a sinceridade, e uma
profunda honestidade em todos os seus propósitos e iniciativas. Educador de
grandes méritos, tenho por ele uma imensa admiração, pela coerência de suas
atitudes, pela organização de seu trabalho, por seus métodos e pela fidelidade
aos seus princípios éticos e morais, dos quais não faz concessões. É admirável
e exemplar o seu amor ao Juazeiro, o zelo e a dedicação incansável para
exaltá-lo e divulgá-lo em tantas e distintas formas, por longos anos. Neste
sentido, construiu uma obra literária que serve da forma mais desprendida
possível à construção de uma nova imagem de sua cidade. Homem de grande
humanismo no exercício profissional e cidadão, é admirado por todos os seus
amigos com um exemplo irretocável de personalidade. Por isso mesmo, para mim,
em meio século de amizade, sua existência e o convívio entre nossas famílias
são motivos de grande júbilo, e eu procuro celebrar isto como uma grande graça
e uma grande dádiva”, Renato Casimiro, professor, pesquisador.
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